Recentemente, a política de cotas foi aprovada pela Universidade Federal de Sergipe. Mesmo sem exigência legal (as universidades públicas não são obrigadas por lei a adotar o sistema de cotas) e com pouca mobilização da sociedade civil, o primeiro vestibular que englobou esta forma diferenciada de acesso aconteceu e tem gerado uma série de polêmicas e reflexões sobre o futuro da educação básica e superior.
Foram escritos muitos textos e artigos, debates em reconhecidos meios de comunicação, manifestações contra e a favor (fora e dentro da universidade) e até mesmo ações na justiça para reverter o quadro ou questionar possíveis erros na seleção dos aprovados. A poeira parece ter baixado, assim como aconteceu com muitas instituições superiores pelo Brasil, mas algumas inquietações e dilemas continuam a preocupar a militância em defesa de uma educação pública, gratuita e de qualidade e a classe trabalhadora e negra, principal alvo da política afirmativa.
A política de cotas, enquanto paliativo que é, deve, para se fazer efetiva, acompanhar um investimento maciço de verbas na educação básica pública e uma assistência estudantil copleta permitindo que o jovem carente possa estudar e dedicar seu tempo realmente à construção do conhecimento. A assistência estudantil, também chamada de política de permanência, é um direito e serve principalmente no combate aos altos índices de evasão escolar. Sem estes dois pilares de sustentação as cotas assumem apenas uma simbologia de ascensão social do indivíduo e tornam-se uma “bonita” propaganda de inclusão social. Nada, além disso.
Nesse sentido, ao confrontarmos a nossa concepção de cotas com a realidade, o choque é inevitável. As escolas públicas estaduais imploram por mais verbas e condições adequadas de ensino-aprendizagem e a UFS não consegue nem cumprir as metas básicas do governo federal de assistência, como a moradia estudantil, o restaurante em todos os campi e as creches para as mães. Conclusão: do jeito que as coisas estão caminhando, daqui a 10 anos, prazo legal estabelecido para avaliação do impacto das cotas na UFS e na sociedade Sergipana, teremos a mesma situação que queremos combater no presente. Por um lado, uma escola pública defasada para a concorrência do vestibular. Por outro, índices de abandono cada vez maiores, pois não há como se manter na universidade sem moradia, alimentação, livros, transporte, entre outros.
Além disso, se queremos fazer um debate qualificado sobre as cotas e seus desafios, temos de denunciar a seletividade do vestibular. Mesmo com as cotas, todos os anos mais de 20.000 pessoas ficam de fora da universidade. Não há vagas para todos e isso é um grave problema social. O Estado não é capaz de ofertar uma educação pública para a população. Por isso somos obrigados a ver cursinhos privados com turmas especiais para os cotistas, pois a concorrência não foi eliminada do acesso. Também por estas razões as universidades privadas não param de crescer transformando a educação em mais uma mercadoria de simples compra e venda e ofertando o diploma a quem puder pagar as absurdas mensalidades. Enriquecem os empresários, empobrece o trabalhador.
Por fim, pensamos que a perspectiva dos estudantes cotistas deve ser a organização autônoma e combativa. Não acreditamos que as vitórias se deram sem a luta política. As cotas não foram um presente de um bom governo e um bom reitor, mas antes de tudo uma luta travada durante muitos anos pelos movimentos sociais, reivindicando igualdade material aos que sempre estiveram excluídos dos espaços de poder da sociedade, como é o caso da universidade pública. Se quisermos o fim do vestibular para um livre acesso do povo à universidade, se quisermos mais verbas para a educação pública e se quisermos uma assistência estudantil digna, precisamos ir à luta!
O horizonte para os estudantes cotistas que ultrapassaram o “muro universitário” está situado na emancipação dos homens e mulheres e na transformação da sociedade. Não entramos na universidade para superar individualmente a nossa condição social. “Subir na vida” e esquecer de onde viemos. Pelo contrário. O sentido dos cotistas na universidade consiste na orientação do conhecimento científico a favor de quem mais precisa dele. O povo oprimido. Esta tarefa só será cumprida se estivermos organizados e independentes. Nossa palavra de ordem será então: “Sim às Cotas! Por um conhecimento crítico e uma universidade a serviço da classe trabalhadora!”
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